26/02/2010

On the Road Again

Viajar, olhar, ouvir, ver, sentir, ler, escutar. Sentada, quieta em autocarro organizado, compassado. Ler, ver, ler, olhar, parar de ler, ouvir, querer dançar porque o Ibrahim Ferrer me acorda as cordas da cor que tenho dentro e que contrastam com o céu baixo que se vê da janela. Viajar, rodar, olhar, ver, descobrir que as árvores ainda não têm roupa, que os ninhos das cegonhas parecem casas velhas a degradarem-se. Ainda. Apetece-me dançar. Paragem. WC. Café a correr que está frio e o tempo é contado.Mesmo à minha frente o cheiro de cabelo lavado, roupa de fumo e chuva misturam-se com os movimentos da estrada. Mais à direita e à frente um casal de muitos anos treinam as gargantas cuspindo palavras como quem está engasgado. "Moicos" os dois e nenhum se dá já conta! Atrás, alguém ouve música em phones (que oiço, infelizmente) desafiando as leis da natureza e do bom senso. Ler, outra vez, onde as curvas são nenhumas ou levemente pronunciadas. Paragem, outra vez. Mais tempo, para quem fuma.Mais tempo para quem precisa de muito para poucos passos, quando já se andou muito. A viagem vai a meio. Ouve-se um estrondo e um som de objecto que rola pelo chão fora. O casal de muitos anos, acusa-se mutuamente. Levanto-me para ir buscar a garrafa de água que caiu. Torço o pulso direito em curva mais apertada. Oiço o raspanete do motorista consciencioso e rio-me. (Rio-me nas situações mais estranhas). Entrego a garrafa ao casal acabrunhado, sorrindo e fico com uma nódoa negra na perna ao voltar ao meu lugar, qual curva pontual para mostrar quem é que manda ali! Lá fora continua a chover. A paisagem já mudou. Paragem. Não há tempo para nada. Nem WC's, nem cigarros, nem nada! Só o tempo de uma troca de olhares entre o motorista e eu? (Mas o que é que quer? Apetece-me rir outra vez!!??) Só o tempo de entrar mais alguém e partir de novo. Última etapa. Sol, nem vê-lo! Ainda não se viu um pouquinho de azul. Um bocadinho que fosse de céu azul. Toda a natureza anseia por um pouco de cor. As casas aqui também não têm tintas, mas não é só no Inverno. É sempre. O olhar fica cansado de tanto cinzento.
Quase no fim da viagem os telemóveis insistem em querer saber onde vamos, a que horas chegamos, que estamos atrasados.... e que já devíamos ter chegado. Já não é possível ler. A instabilidade instala-se.
Chegámos. Desejo bom resto de viagem. Recebo uma baforada de fumo e um sorriso. Não posso dizer que a perna me dói.... não seria justo!!!

11/05/2008

Famíla forte

Quase no fim de um dia cheio de trabalho em que tive de alterar a ordem que me rodeia.... Um daqueles dias em que as memórias se reorganizam porque não só mudamos o lugar das coisas como ainda seleccionamos, separamos, rasgamos e reciclamos o que já tantas vezes foi alvo de selecção. As estantes, os livros, os papéis, a tralha toda que se acumula durante anos.
Já sem energia e realmente muito cansada, lançava ao lixo mais um dos muitos cadernos que utilizei há muitos anos para fazer apontamentos para os exames e de que nunca tinha tido coragem de me desfazer, até hoje. Lançava, porque não lancei. Ainda hesitante, folheei mais uma vez o caderno tentando decidir se o conteúdo me viria, mais dia , menos dia, a ser necessário. E foi ao dar esta última volta que me encontrei com a letra ainda infantil do meu filho, a lápis. E antes que a minha memória se esqueça do que hoje vi e que daqui a uns anos eu acabe realmente por deitar fora o caderno, aqui fica uma definição original:

Eu e a Família


Sou eu e a minha mãe

mãe que tem sete irmãos

irmãos que são meus tios

tios que têm filhos

filhos que são meus primos

primos que são meus amigos

amigos há aqueles que são quase família

família são também os avós

Avô que conta histórias

histórias divertidas que são o contrário da avó

que é aborrecida!

Aborrecida como a vida

Vida grande

Grande é o meu pai

pai que tem pais que são divertidos

divertidos são o tio e a tia

tia que tem filhas

filhas minhas primas

primas do meu primo e prima

primo e prima que são filhos do meu tio

tio que tem um aperto de mão forte

forte que é a minha família!


Francisco (algures pelo fim da infância...)


03/05/2008

Motivação

D.D apresenta-se sempre impecavelmente arrumada. Dos pés à cabeça. Literalmente. Ao cabelo dá-lhe uma aparência de casulo de bicho da seda. Muito leve, muito branco, muito artisticamente tecido. O corpo, direito, sobriamente vestido, caminha sobre uns pés que, apesar dos 80 anos recentemente festejados, não admitem calçado que não tenha pelo menos 3 cm de altura de salto.
D. D sai todos os dias de casa. De manhã. Toma o pequeno almoço na pastelaria. Com uma amiga. Há mais de 40 anos. Sempre com a mesma amiga. Sempre na mesma pastelaria. Enquanto trabalhadora por conta de outrem e por um número de horas diárias que saíam da conta estipulada por lei, era aquela ida à pastelaria o seu único luxo. Reformada, passou a ser uma questão de coerência vital e de sanidade mental.
De volta a casa, D. D não sai mais. Assim, por volta das 11h e até às 24h ou mais, D.D entretém-se por ali, sozinha, a ler revistas cor de rosa, a fazer crochet, a ver TV, a ingerir uns alimentos, meio à pressa, sem horas marcadas e a dormitar no sofá quando calha. Quando o cansaço do dia se sente no coração e o corpo, sem que se dê conta, inicia o modo de descanso e desliga para se poupar.

D.D não se queixa, não se lamenta, não diz mal de ninguém e não tem paciência para conversas ocas. Não lamenta a vida que teve, apesar das dificuldades e não se arrepende das suas opções. Mantêm-se activa, ocupada, interessada. Cuida de si. Sempre cuidou de si.
Vive só. Nunca casou. Só casaria por amor. E não deixou que lhe fizessem o ninho no beiral . Nem nunca encontrou andorinha que a fizesse voar e desafiar o espaço em pontas, a preto e branco. E mais tarde pintar a manta da vida, multicolor. Não se importou. A vida foi caminhando elegantemente arrumada, sobriamente decorada e estoicamente organizada.

Recentemente sofreu um revés. Volta e meia vejo-a mais cabisbaixa. Recusa ir ao médico. Confirma que está tudo bem e eu desconfio.
É que aos poucos vou sentindo que a D.D me quer mais vezes, de visita, lá em casa. E quando lá vou, estranha cada vez mais "o pouco" tempo que lá estive.
D. D não se queixa, nem pede nada. Só me espera à janela, quando chego do trabalho. E diz-me bom-dia, todos os dias, do alto da sua janela, sorrindo.

Desconfio que precisa de cuidar de mim para continuar a ser capaz de cuidar de si.

15/07/2007

Conflito de Gerações

Há uns dias recebi este texto de uma amiga.
Sempre acreditei nas gerações mais jovens, na evolução e na capacidade de adaptação da espécie humana, mas dá que pensar... e apetece partilhar.


"Falando sobre conflitos de gerações, o médico inglês Ronald Gibson começou uma conferência citando quatro frases:

1ª) "A nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, desrespeita a autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Os nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem a seus pais e são simplesmente maus."

2ª) "Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país se a Juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque essa juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível."

3ª) "O nosso mundo atingiu o seu ponto crítico. Os filhos não ouvem mais os seus pais. O fim do mundo não pode estar muito longe."

4ª) "Esta juventude de hoje está estragada até o fundo do coração. Os jovens são malfeitores e preguiçosos. Eles jamais serão como a juventude de antigamente. A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura."

Após ter lido as quatro citações, ficou muito satisfeito com a aprovação que os espectadores davam às frases. Então, revelou a origem de cada uma delas:

1ª) De Sócrates (470-399 a.C .)

2ª) De Hesíodo (720 a.C.)

3ª) De um Sacerdote no ano 2000 a.C.

4ª) De uma escrita num vaso de argila descoberto nas ruínas da Babilónia (actual Bagdad), possuindo, portanto, mais de 4 milénios de existência."

17/06/2007

Desespero !!!

Onde estão as rosas, as papoilas, a flor de Jacarandá?
Onde estão os meninos, as bolas, os skates, as bicicletas, os chilreios?
Onde estão os namorados, as cores, os ritmos, os gritos, as gargalhadas?
Onde está o sol? E os 23º à sombra?
E a brisa ao fim da tarde?
E o perfume das glicínias?
Alguém me sabe dizer por onde anda a Primavera?